sexta-feira, 21 de setembro de 2007

A Expedição como eu a vi

Eu já andava a pensar numa expedição a Marrocos há algum tempo!
Não desde sempre! Nas primeiras vezes que me falaram nisso até nem achava piada à ideia. Era tipo movimento carneirada. Parecia-me que qualquer gajo que acabava de comprar um jipe tinha quase a obrigação moral de ir a Marrocos e isso até me irritava um pouco. Se calhar, ou não, isso até teria a ver com a minha tendência natural de ser do contra.
Entretanto, com as idas aos encontros do Fórum Land Rover, fui cada vez mais sentindo aquilo a que se convencionou chamar de espírito Fórum Land Rover.
Esta “ coisa “ traduz-se em vários sintomas característicos, sendo que os mais usuais serão dizer mal do Fórum e sentir necessidade de ir aos encontros, sejam eles do que forem.
No fundo é a certeza de ir ter com pessoal que sabemos que é fixe e a certeza de estarmos sempre bem!
Para mim, um dos grandes culpados da minha vontade de ir a todos estes encontros é o Parola!
Com o desenrolar do tempo, eu e todos nos apercebemos que qualquer evento que tenha a mão dele tem sempre pernas para andar e vamos sempre confiantes.
È o tipo de pessoa que não fala muito, que não diz que faz e que acontece. Tem as ideias e faz e acontece. Pouco blá blá blá e muita acção! É sempre a bombar!
Marrocos começou a ser uma vontade também pelas viagens de um amigo já de longa data e de boas aventuras que é o Nuno Barbosa. O tipo de gajo que o único defeito que tem é ter um Mitsubicha. Mas lá está ninguém é perfeito! O Nuno é um apaixonado de Marrocos e tinha-me envenenado com fotos e relatos de aventuras sempre dizendo que eu iria adorar e que devia ir, até que me convenceu. Chegou a estar marcada uma expedição, mas não foi possível conjugar as férias para ir com ele, pelo que acabou por ficar em águas de bacalhau essa ideia.
Eis que, surge no ar a notícia que o Parola estava a pensar ir a Marrocos! O Cordeiro desbroncou-se e eu colei-me logo! Mesmo cara podre! Ah e tal também quero ir!
A coisa ficou por aí até ao Ibérico, onde o Parola me disse:
Como é man, vamos a Marrocos?
Ao que respondi: Já lá estamos!
Estava com o Portelo, que também me disse que queria ir!
Mais tarde, recebo um telefonema de Silves (estava a decorrer o encontro Xelbland), onde estava o Cordeiro e o Parola, em que me perguntaram outra vez se eu sempre ia. Respondi que sim, tendo entrado nesse momento em modo Marrocos!
O tempo foi passando, começaram os encontros do pessoal que ia, fomo-nos conhecendo, fomos formando um grupo.
Não seria fácil, muitos kilómetros, 12 carros, 28 pessoas os prognósticos eram de uma viagem algo stressante, cansativa, etc etc.
Com o desenrolar dos encontros para verificar pormenores da viagem, conviver e acertar as agulhas, foi-se desenvolvendo uma cumplicidade engraçada entre o grupo mesmo antes da viagem, sendo prova disso a famosa novela da Capota! O Mestre a leste de tudo, foi lindo!
Talvez daqui a uns anos ele perdoe ao Pedro Bastos a cena da suspensão! Talvez!! LOL
Chega a hora da partida!
Ao meu estilo, como sempre, na véspera ainda nada estava tratado!
Montei o CB na véspera, fui ás compras na véspera, trabalhei na véspera, apanhei uma constipação que atingiu o ponto alto na véspera! Brutal! Em cima do joelho como se quer!
Arrancamos para Elvas, onde seria o meeting point!
Chegamos ao Hotel já tarde, todos a dormir!
O hotel é um espectáculo!
Apercebemo-nos que alguém da caravana tinha tido um problema grave na caixa de velocidades. O recepcionista não sabe explicar quem foi. Pensamos que temos uma desistência! Cena marada, é preciso ter azar, quem será? Fomos dormir nesta dúvida!
De manhã, boas notícias! O problema tinha sido resolvido à custa de uma dose cavalar de camaradagem, espírito de entreajuda e de uma noite em branco. Estes maduros tinham desmontado, reparado e montado a caixa de velocidade do disco do Mack, tendo chegado a Elvas às cinco da manhã, para se levantarem às sete. Estávamos todos e isso é que interessava!
A viagem até Algeciras foi feita sempre a um ritmo acelerado, pois o barco não esperava!
Chegámos a tempo (já à pele!), entramos no ferry e rumo a África! Tratava-se da primeira intercontinentalização do Fórum Land Rover! Não sei que esta palavra existe (intercontinentalização), mas que faz vistaça faz e sempre ilustra a coisa!
A passagem na fronteira é obra!
Brutal confusão, buzinão, os Marroquinos tentar meter a mão, enfim o verdadeiro filme!
Apercebemo-nos que reina alguma “ trafulhice “, mas nada de chocante, apenas um abre olhos, como que a avisar: Meus amigos aqui é diferente!
E no fundo não era disso que íamos à procura? Não seria isso que nos chamava?
Passamos a fronteira, reagrupamos e partimos à conquista de Marrocos!
Nesta primeira etapa, seguiríamos junto à costa Atlântica rumo a Asilah, onde dormiríamos a primeira noite.
Primeiras impressões são de uma anarquia no trânsito, com algumas ultrapassagens temerárias por parte dos marroquinos e de dezenas de operações STOP. Uma a cada entrada e saída de qualquer povoação.
À anarquia do trânsito, confesso que demorámos algum tempo a habituar-nos e estou aqui a falar de uns bons e bem medidos 5 minutos! Tuga que é Tuga adapta-se! Primeiro estranhamos depois entranhamos!
O hotel em Asilah não é lá grande coisa, mas o pessoal é simpático, aliás como seria norma no resto da viagem.
Arrancamos de manhã cedo para uma etapa maior, com destino Midelt, passando pela Floresta dos Cedros e com visita aos Macacos. Etapa rolante, sempre em asfalto.
O hotel é engraçado, muito típico, sobretudo a sala de jantar e o jantar em si. Uma vitela com ameixas na Tagine, acompanhadas por uma cerveja marroquina, começaram-nos a abrir o apetite e o espírito.
Saímos de Midelt rumo a Merzouga, mais propriamente ao Erg Chebi.
Nesta parte da viagem a paisagem já era mais árida, dominada pelo Atlas, imponente, dominador, agreste, contrastando com o sorriso das crianças ao passar da caravana.
Distribuímos algumas T-shirts por algumas aldeias mais isoladas por onde passámos.
Estão habituados a que as pessoas dêem, pelo que todos sabem dizer: Stilot, stilot, merci monsieur! Stilots pour l’ecole! Foi de longe a frase mais ouvida durante toda a viagem!
Isso e os comerciantes a chamarem berberes às nossas mulheres! … Mas isso só por si dava outra história e um post exclusivo. Agora que falo nisto, lembro-me que vi hoje nos classificados um Defender 130 Td5 à venda, coisa que fez lembrar do André Bela! Ele há coisas estranhas!!!
Bem, quando faltavam ainda uns kilómetros para chegarmos ao Auberge du Sud, decidiu-se fazê-los por navegação. Pista dura, cheia de pedras e muita tolée ondulée, para meter a suspenção a trabalhar. Ficámos apresentados às pistas do deserto.
Seguindo o GPS, lá chegámos ao Auberge du Sud.
O Auberge é uma construção muito básica com paredes de barro e palha, bem ao estilo berbere. Está mesmo em cima do Erg Chebi. A vista é estonteante, o calor é forte, a recepção é feita com o tradicional chá de menta e hortelã e a simpatia de toda a equipa do albergue.
Nessa noite, comemoraram-se os anos do Parola ao mais puro estilo tradicional, com direito a indumentária, volta de camelo e grupo de cantares tradicional. Um noite fantástica!
De manhã partimos com um guia para uma volta ao Erg Chebi, por pistas e dunas.
A verdadeira loucura! Sempre de gás por cima de pedras, tolée ondulée, areia, passando por oásis de sonho, por aldeias isoladas, onde fomos distribuindo mais roupa e as inevitáveis stilots pour l’école!
Nesta zona, a muitos kilómetros de tudo, estranhamos encontrar, no meio do nada, meia dúzia de casas, tanta gente e sobretudo tantas crianças.
Aqui as condições de vida são muito difíceis e isso nota-se claramente nos rostos e na atitude das pessoal que nos abordam. Deixa de ser o hábito de pedir canetas e T-shirts e nota-se que já é uma oportunidade que têm de aproveitar à passagem das caravanas. Os miúdos andam todos descalços, a correr por cima das pedras, as suas roupas são já muito velhas, enfim estamos já noutro patamar, noutro mundo. Já me tinham aviado que quanto mais para sul, mais pobres seriam as pessoas. Aqui já davam outro valor ao que lhes dávamos.
Um dos miúdos estava com um pé num estado lastimável, embrulhado num saco de plástico, descalço, a coxear. O Luís Silva tratou-lhe do pé e fez-lhe uma imobilização decente com uma ligadura. Não era aparentemente nada de grave, deveria ser apenas um entorse.
O resto da pista serpenteava por entre palmeiras e dunas, sempre em areia, a exigir muita velocidade e perícia, ao mais puro estilo DAKAR. Brutal, a adrenalina é indescritível, dos motores a roncar, as esteiras de pó, as roditas no ar, ir a fundo por cima dos trilhos de areia que ora nos prendiam, ora nos soltavam de modo que se atingiram velocidades já bastante consideráveis para carros ditos normais (sendo que um LAND ROVER é por si só um ESPECTÁCULO!). Parecíamos miúdos com um brinquedo novo, tal o nosso ar de satisfação durante todo o trilho. Foram mais de 100 Km nisto, terminando num almoço já tardio numa aldeia já a caminho do albergue, rodeados de centenas de tapetes. Almoçámos muito bem.
Volta ao albergue, e siga para o Tanque aka Piscina! Espectacular, o bem que nos soube aquele tanque, ali de molho horas na palheta, a curtir o ambiente!
Outra noite, outra festa! Desta o Aniversário do Luis Costa Gise Gese (é GESE!).
Até tivemos direito a uma dançarina do ventre (Tuga!) A boa onda reina, o ambiente é ao mais alto nível.
Dia seguinte, é com alguma saudade que deixamos o Auberge du Sud e o Erg Chebi!
De tal maneira que todos se lembram, mesmo já na hora de ir embora, de ir bombar para as dunas para a despedida! Claro está que deu atascanços monumentais! Já tínhamos reposto a pressão dos pneus, já tínhamos carregados os carros, etc! Enfim, mais duas horas bem passadas de puxa empurra, onde mais uma vez se viu que nada nos fazia parar, nem as dunas do Erg Chebi.
Seguimos para as Gargantas do Todra onde chegamos já tarde, mas não tarde suficiente para nos demover de fazer a pista que une as Gargantas do Todra às Gargantas do Dadés!
80 e tal Km de uma pista que nos diziam impraticável. Até os guias no tentaram demover, sem sucesso!
Esta pista foi muito especial, duríssima e exigente a vários níveis. Não sabíamos se estava aberta ou se teríamos de voltar para trás! Grande parte da navegação foi feita de noite, parede um lado precipício do outro, em locais onde não era visível a pista em si. Aqui há de salientar o enorme trabalho feito pelo Anágua, que nos levou sempre pelo melhor caminho, tendo sido o nosso guia e sempre transmitindo confiança. Nessa noite passou a ser chamado de Johnny De L’Eau o nosso Guia!
Deparámos, a meio desta pista em plenas Gargantas, com uma família que vivia ali! No meio do nada! Tudo à volta é pedra, paredes verticais de rocha e o Rio (Oued) lá no fundo!
Viviam em buracos nas parede de pedra, tapados com as tradicionais mantas de lã, os animais também estavam abrigados nas saliências das rochas, tudo ali, aproveitando o traçado da pedra para se abrigarem. Aqui não pediam stilots nem T-shirts, aqui pediam comida. Não falavam francês, apenas pediam comida por gestos e agradeciam com um sorriso. Demos o que pudemos, o que trazíamos. Aqui sentimos que realmente que o que demos fez diferença.
Nessa manhã tínhamos entregue à associação Bougafer material didático, que muito nos agradeceram, mas aqui sim, aqui sentimos que para aquela família realmente fomos úteis!
Entrámos na última parte da pista já noite a cair, tendo acabado a mesma já por volta das 3 da manhã no hotel das Gargantas do Dadés, onde tivemos de acordar o recepcionista e convencê-lo a orientar um jantar assim meio de gás! Passado algum tempo, ele acordou a até se orientou um bom jantar! No início o homem estava mesmo atarantado de ver àquela hora entrarem 28 pessoas no hotel a falar em jantar! Vá-se lá saber porquê!
A partir daqui decidimos entrar oficialmente de férias, nessa manhã rumámos a Ouarzazate, já muito ocidentalizada, com ideia de chegar o mais cedo possível para desfrutar da piscina do Hotel Perle du Sud e fazer as primeiras compras a sério!
No caminho, houve ainda oportunidade de fazer uma última pista. A pista de Telouet foi feita pelos nossos co-pilotos, que já estavam a precisar de meter as mãos no volante, que isto de ir Marrocos e não meter as mãos na “ massa” não está com nada! Vai daí as nossas mulheres deram cartas, assim como os co-pilotos presentes. Foi vê-las a dar gás por aquelas pedras, numa pista que de fácil não tinha nada!
O hotel la Perle du Sud, revelou-se uma boa escolha, ficámos muito bem instalados e a piscina revelou-se à altura das nossas bombas!
As compras na Medina abriram as hostilidades, e desde aí foi o descalabro comercial e económico!
Ele eram tagines para cá, cheches para lá, xixas para acolá! Ah e tal 200 Dirhams? Meu, tu levas 50 e já gozas! Berberes nós? Não! Nós apenas apreciamos o desporto (regatear preços até ao limite do concebível e muito para lá disso também)!
Houve quem regateasse o preço de uma garrafa de água!
Aqui também mostrámos uma capacidade de adaptação notável, nomeadamente elas! Eles não tinham a mínima hipótese, até dava pena dos comerciantes tal era a lábia delas.
Feita a adaptação ao terreno, afinada a estratégia comercial, estávamos prontos para aterrorizar os comerciantes de Marrakech.
A entrada em Marrakech foi surreal! Doze carros em caravana, atravessar a cidade em hora de ponta é algo de indescritível! Centenas de mobilletes anárquicas, circulando em todos os sentidos, rotundas feitas também em todos os sentidos, gente na estrada, animais na estrada, miúdos a pendurarem-se nos jipes para irem à boleia. Chegámos a ser ultrapassados por carroças puxadas por burros, por uma senhora de cadeira de rodas agarrada a uma mobillete, vimos um táxi a ser agarrado em peso por uma data de transeuntes, pois parou numa zona em que não conseguíamos fazer a curva, espectáculo ao nível de alguns mails que por aqui circulam e dos quais duvidamos da veracidade! Nós podemos dizer: Been there, done that!
O hotel era muito bom, a piscina era enorme, apenas com um senão: Não eram permitidas bombas!
A Medina fervilha, espectáculos tradicionais, jogos, encantadores de serpentes, bancas muitas bancas, muita gente, muito calor, a verdadeira festa! Ficámos fãs dos sumos de laranja natural! Sim, servidos de jarros muito sujos, em copos que sabe Deus, com água e gelo que não sabíamos de onde vinha, etc etc. O calor e a sede falaram mais alto que a salmonela, aliás nesse ponto também tivemos sorte! Gostámos tanto que decidimos ficar mais uma noite.
Dia seguinte, foi sempre a bombar até Ceuta e tentar passar o barco o mais cedo possível.
Acabámos por passar o barco à hora que estava programado, e dirigimo-nos a Tarifa.
Nesta altura, o Grupo separou-se, uns foram dormir a Cadiz, outros a Tarifa, e outros seguiram mais para Norte!
Dormimos num hotel de beira de estrada, de onde arrancámos já sozinhos para Portugal, sendo que o resto do grupo que estava em Tarifa, ficaria para mais um dia de praia!
Continuámos sozinhos até Sevilha onde, por coincidência, nos encontrámos com o resto da caravana que tinha ido para a zona de Cádiz! Em caravana novamente, seguimos até à fronteira onde fizemos um último atascanço para almoçar!
Aí o pessoal que ia para norte seguiu, ficando já só nós, o Luis Felipe Vieira e a Anabela e o Johnny e a Sandra de L’eau. Seguimos sempre em caravana até Vendas Novas, onde tivemos de parar mais uma vez para comer uma bifana e uma imperial à Home!
Para nós foi expedição até ao Fogueteiro!
Muito ficou por contar, muito foi vivido, muito foi aprendido.
Não estava à espera de uma viagem tão espectacular!
Superou todas as expectativas, mesmo as mais optimistas.
Só posso agradecer a todos sem excepção, mas em especial ao Parola, pois sem ele nada disto seria possível.

Muito Obrigado.

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